Olá ao Mundo.
Hoje escrevo. Apenas escrevo. Faço 44 anos. A junção de dois
números que contemplam o tempo. O meu tempo de vida. O meu percurso, a minha
rota, aquela estrada por onde tenho vindo a caminhar.
Durante estes anos, foram tantas as pessoas que encontrei,
as pessoas que cruzaram o meu olhar, as frases que proferi e os silêncios em
que me escondi. Escutei palavras que me ensinaram tanto, momentos que me
fizeram chorar como criança escondida por detrás das sombras, risos de
adolescente em modo “sonhar em ser grande”, e reflexões que me obrigaram a
crescer ou decrescer. Hoje somo toda a soma de tempos que fui vivendo e o seu
resultado é apenas um numero...mais, muito mais do que isso. Não posso subtrair
todo o copo cheio que é o meu passado. Arrepios de dor, salvas de alegrias,
abraços de paixão, beijos de solidões que me obriguei a ter. Sim, obriguei-me a
ser solitário em muitas ocasiões, pois estar comigo, com quem sou, o que sou,
foi encontrar-me com a vida, namorar com a doce existência de um universo,
envolver-me com o corpo de uma natureza que me deixou sempre penetrar por entre
a fina textura do amor.
Hoje segredo ao vosso intimo que tenho em mim uma visão de
amante pelo que me rodeia. Estou ligado, ligo-me, deixo-me ligar, levo-me a
ligar, obrigo-me a ligar a tudo. Às árvores, às flores, plantas, à terra que
adorna os contornos, ao mar, ao rio, à chuva, ao sol, ao vento, aos animais, os
que caminham, rastejam, voam... às pedras, aos sons, aos odores, aos
sabores...às pessoas, às coisas, boas ou más, interessantes ou não, e ao
caminho, o meu caminho.
Hoje, diante de um computador, sentado em riste, com um copo
de vinho a deleitar-me a alma, escrevo. Apenas escrevo. Sonho de menino que
sempre se deitou olhando a lua, nua de preceitos, nova ou cheia, sempre
segredei o desejo escondido, quase num proibido sentido de viver. Escrever. Nos
pergaminhos da história estava escrito que nascer, estudar, crescer, ser homem,
casado, filhos, emprego dos bons, casa em conformidade e carro para mostrar,
poupança para um dia ajudar quem criei e um dia morrer no soslaio de um caminho
não percorrido...mas esta criança nunca foi de modos. Revoltas, ser que sempre
quis gritar aos sete cantos do mundo que não se é palhaço sem um sorriso, não
se é mágico sem cartola, nem se é gente sem pensamento próprio. Sofre-se por
ser-se diferente, qual alienígena que desceu dos céus para enraizar seu sémen.
Mas deitar-me sobre o manto da ignorância, de qual vida nefasta de desígnios
estabelecidos, não. E a lua dizia-me que sonhar seria sempre a fé escondida no
meu coração.
Não sou Super-heroi, apesar de quase querer deixar essa
marca. Não. Escrevo com medo, receios, profundos tormentos de quem é humano.
Como todo o animal que sente, alinha todas as suas sensações conforme o
obstáculo que enfrenta. Mas sabe que o caminho é ultrapassar esse mesmo
obstáculo. Mesmo que as pernas tremam. A Fé é a luz que ilumina, a candeia que
nunca se apaga. Descobri-a dentro de mim. Onde tudo reside. Fora é apenas o
resultado. Como acharmos que 4 é apenas a soma de 2 mais 2. Não. 4 é o numero
que resulta da soma de dois mundos, semelhantes, idênticos, que se encontram e
juntam-se num só, mais forte, mais sustentável, mais crescido.
Sou uma casa. Sem portas. Sem janelas. Apenas com a
designação simplista de uma habitação onde todos entram, podem ficar, conhecer,
e descansar se necessário. Depois, bem, depois podem partir ou ficarem. Mas
todos deixam algo. Agradeço tudo o que deixam, de bom ou menos bom, porque me
ensinaram tudo o que sou hoje e serei amanhã. E acreditem, nada sei. Sou um
ignorante. Um humilde aprendiz de viver. E tenho um enorme desejo em aprender.
Mas alguns dos que partiram, fizeram-no em corpo, deixando a sua alma. A eles o
meu preceito de guardá-los em memoria, amando-os como sempre foram amados. Não
aprisiona-los, como cheguei a fazê-lo ( afinal quem não o fez uma vez, pelo
conforto de guardar quem ama), mas a deixá-los ir, olhando as fotos da
lembrança.
Por fim fica a Vida. A minha amante, o meu amor fundido entre
o ver e sentir. Sei que este corpo não será infinito. Sei que na Vida existe
uma palavra em que nos despedimos do olhar e nos deitamos com o indefinido. Sei
que serei apenas pó um dia, restos de anos, meses, semanas e dias. Sei que
serei uma memória, uma pequena lembrança perdida no sótão. Mas a paixão pela
Vida, pelo que ela partilha comigo é mais do que essa palavra, esses futuros
combinados. Ela é a ninfa que me inspira todos os momentos, todas as fracções
de segundo que respiro. Ela traz consigo uma mistura agridoce, eu sei. Mas é
isso que a faz mais cativante. Afinal quem de nós não o é? Virtudes e defeitos.
É isso que tem de maravilhoso. É na imperfeição que está a perfeição. A Vida é
isso mesmo, o corpo perfeito com a personalidade imperfeita, ou perfeita, mas
que não pode ser como o desejamos. Estou-lhe grato todos os dias. Pelas
sensações, pelos momentos, pelos pensamentos, pela força, pelas vivencias, as
lições, pela coragem, pelo medo, pela cor e pelo escuro, pelo equilíbrio das
forças, e muito, mesmo, pelo Amor. Esta é a força das forças. É a Fé, é o
sentimento, é o sentido, é o caminho.
Grato à Vida pela oportunidade. Todos os momentos ela
brinda-me em estar aqui. E com tudo pelo que luto, combato. Mesmo que não, por
vezes, da melhor forma, mas afinal assim é que as coisas tem piada, pois rir de
mim próprio também é ser vida na Vida.
Hoje que faço uma junção de dois números, anos que já vivi e
que me preenchem tanto. Hoje olho e ajoelho-me agradeçendo ao meu nome, ao meu
corpo, à minha alma, ao meu deus ( palavra que tudo significa), ao universo, à
vida, às pessoas, aos animais, à Natureza Mãe, ao Mar Pai, aos meus Mestres...
e estou grato a todos. E existe algo a quem a minha gratidão por este numero é
Supremo. À ideia de sentir-me uma migalha, uma minúscula existência, que faz
parte do Todo em Si. Só assim poderei ser mais um, mas um que vive na soma de
todos, logo pode sempre alterar o resultado da soma.
Deixo-vos com o sonho. Escrever. Simplesmente e humildemente
escrever. Esta semana convivi com alguém que tem a paixão da Vida no olhar, nas
palavras, na música, no coração. Retive uma sensação dele, um descolamento do
real para o sonho quando sente a paixão pelo que ama. E é isso que sinto quando
escrevo.
talvez um dia
algures num deserto qualquer
o meu nome seja proferido
como pequeno grão de areia
que se juntou ao todo dos grãos
e num forte sentido do vento
se moveram e construíram a duna
de onde os meus olhos avistam
a Babilónia dos meus sonhos
onde talvez um dia
o sol queime as arestas do ódio
e deixe apenas o conteúdo do amor
para que possa ser vida na Vida!
Grato Vida!
Sejam felizes... e,
“Não faças planos para a Vida para não atrapalhares os
planos que a Vida tem para ti!”
Agostinho da Silva.