terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Feliz Natal.




Neste blog também se fala de Natal. Quero deixar-vos um texto muito especial, uma reflexão sobre a viagem que o Homem deve fazer no seu mais profundo Eu. Partilho-o convosco, desejando um Feliz Natal, com Amor... e reflexões politicamente incorrectas, pois pensem sempre por vós e nunca como rebanho. Até breve.

"Este é um tempo de culminar.
todos os anos, ao redor do 21 de Dezembro, o Sol estícia-se; e as trevas distendem-se. É a noite mais longa do ano no nosso hemisfério. O Sol aparentemente estaca durante três dias - e não deixa de ser irónica a sua paragem aparente, já que começa por ser o seu movimento a primeira ilusão -

e a noite parece durar mais do que nunca.


mas é precisamente nesse momento e no dia - na noite - das trevas mais longas do ano, é precisamente nesse instante que as Trevas atingem o seu limite e por isso a Luz ganha novo impulso, e recomeça gradual, quase imperceptivelmente, dia após dia, a brilhar cada vez mais e iluminar durante cada vez mais minutos a experiência dos homens, até vir a tingir o seu auge no dia mais longo do ano, o solstício do Sol no Verão. E é, então, a loucura  a estultícia do solstício no verão. Veremos.

mas por enquanto ainda é frio, e restrição. A sabedoria de tirar muito muito de muito pouco, a hibernação/invernação, a escassez de recursos e de Vida, a vitalidade limitada, a importância de administrar sabiamente os recursos limitados. A aprendizagem através da dificuldade e da limitação: a limitação da matéria e dos recursos naturalmente à disposição. A irreversibilidade do tempo. A inata consciência da escassez, e de Cronos, a necessidade da auto-fiscalização e do auto-controlo, a responsabilidade perante a própria existência - a ambição de ter o maior sucesso possível no processo de não só sobreviver, mas de aprender com a experiência e transformá-la, gradualmente, em sabedoria, para que se trate de sobreviver cada vez menos e cada vez mais de viver... aprender com o passado, confiar no já conhecido para guiar, o capitão do navio, o mestre hábil e experiente, o sábio ancião, o velho lobo do mar

esta é a altura do confronto com a realidade, com o peso das circunstâncias concretas, com o que está instituído, com a consequência de todas as causas anteriores. É altura de reconhecer as circunstâncias, fazer um assessment, um balanço, um levantamento, uma 'vestoria'

e aceitar as limitações.

e aceitar também a tristeza.

não cabe falar aqui das depressões sazonais recorrentes, tão previsivelmente recorrentes, e tão reconhecíveis - facilmente reconhecíveis - nos consultórios de psicoterapia, se não nas ruas, aos volantes dos automóveis, nas filas para o pagamento nas caixas dos mercados: dos de mercearias, dos de roupa, dos de cultura, dos de tecnologia;

não cabe aqui falar do poder que o Natal tem de evocar as reminiscências infantis do Natal em família, do Natal em orfandade, da grande reunião de família, dos familiares falecidos, evocados ou omnipresentes, dos sonhos de abóbora e dos sonhos desfeitos, da magia dos presentes e do encantamento da infância e das famílias entretanto atomizadas, da inocência com que o Natal era vivido uma vez e que tornava possível sonhar -

não cabe aqui falar de Caranguejo como o pólo oposto e complementar de Capricórnio, da reminiscência infantil como resposta inevitável à necessidade de ser adulto, de perder a inocência, de aceitar a passagem do tempo, de ter de ser pai e provedor quando a memória de ser filho e provido é ainda tão viva, embora aparentemente distante, afastada da superfície da consciência por um dia-a-dia de tarefas, ocupações, preocupações e responsabilidades: a "vida de adulto" que se leva, e na mor das vezes com alguma impunidade, dia após dia, mês após mês, ano após ano, década após década - menos quando é Natal.

o que cabe aqui dizer é que este é um tempo de culminar

que todos os anos, ao redor do 21 de Dezembro, o Sol estícia-se; e que as trevas se distendem. Que é essa a noite mais longa do ano no nosso hemisfério. Que o Sol aparentemente estaca durante três dias - e que não deixa de ser irónica a sua paragem aparente, já que começa por ser o seu movimento a primeira ilusão -

e que nesse momento em que a noite parece durar mais do que nunca

precisamente nesse momento e no dia - na noite - das trevas mais longas do ano, é esse o instante preciso em que a Luz ganha novo impulso, e recomeça gradualmente a brilhar, mais e mais, até atingir o seu auge no dia mais longo do ano, o do solstício de Verão

e que se, como Lao-Tzu ensinou há milhares de anos, "qualquer coisa nasce sempre do seu contrário. Se o verão dá lugar ao inverno, a noite ao dia, o frio ao calor, se o claro pressupõe a existência do escuro, o branco a existência do preto e assim indefinidamente, então a realidade tem como complemento a não-realidade. Ser e não-ser são os dois pólos de uma mesma curva",

então este é um tempo de início apesar do culminar

um tempo de Luz e Calor apesar de fazer frio,

que muito pode nascer dentro enquanto muito morre por fora

que este é um tempo de liberdade absoluta na aceitação das restrições intransponíveis,

um tempo de alegria na aceitação da tristeza

o momento preciso de fazer o balanço do percurso percorrido,

o momento de processar toda a memória,

o momento de cessar a expectativa.

o momento de concluir uma caminhada

mas acima de tudo, o momento de recordar

que o Caminho apenas começou.


Com um abraço de Luz, senão na pele, pelo menos no âmago da Consciência, que se estenda e estenda e estenda até ao mais íntimo do verão, senão nas ruas desertas e frias, pelo menos na ante-câmara do Coração.

Feliz Natal idade,

nUno Michaels”

domingo, 7 de dezembro de 2014

Muros 4



Hoje volto aos muros. Mas hoje quero escrever sobre o que penso ser o maior dos muros. O da consciência, o do pensamento, o da nossa existência.
Há uns anos, li este conto que reproduzo, num livro de Jorge Bucay, psicanalista argentino, que agora reproduzo:
Esta história representa para mim o símbolo da corrente que une as pessoas através da sabedoria dos contos. Contou-ma uma paciente que a tinha ouvido, por sua vez, da boca de um ser maravilhoso, o padre crioulo Mamerto Menapace. Assim como a reproduzo agora, ofereci-a uma noite a Marce e a Paula.

Aquela cidade não era habitada por pessoas, como todas as outras cidades do planeta.
Aquela cidade era habitada por poços. Poços vivos… mas afinal poços.
Os poços distinguiam-se entre si não somente pelo lugar onde estavam escavados, mas também pelo parapeito (a abertura que os ligava ao exterior).
Havia poços ricos e ostensivos com parapeitos de mármore e metais preciosos; poços humildes de tijolo e madeira, e outros mais pobres, simples buracos rasos que se abriam na terra.
A comunicação entre os habitantes da cidade fazia-se de parapeito em parapeito, e as notícias corriam rapidamente de ponta a ponta do povoado.
Um dia, chegou à cidade uma «moda» que certamente tinha nascido nalgum pequeno povoado humano.
A nova ideia assinalava que qualquer ser vivo que se prezasse deveria cuidar muito mais do interior do que do exterior. O importante não era o superficial, mas o conteúdo.
Foi assim que os poços começaram a encher-se de coisas.
Alguns enchiam-se de jóias, moedas de ouro e pedras preciosas. Outros, mais práticos, encheram-se de electrodomésticos e aparelhos mecânicos. Outros ainda optaram pela arte, e foram-se enchendo de pinturas, pianos de cauda e sofisticadas esculturas pós-modernas. Finalmente, os intelectuais encheram-se de livros, de manifestos ideológicos e de revistas especializadas.
O tempo passou.
A maioria dos poços encheu-se a tal ponto que já não podia conter mais nada.
Os poços não eram todos iguais, por isso, embora alguns se tenham conformado, outros pensaram no que teriam de fazer para continuar a meter coisas no seu interior…
Um deles foi o primeiro. Em vez de apertar o conteúdo, lembrou-se de aumentar a sua capacidade alargando-se.
Não passou muito tempo até que a ideia começasse a ser imitada. Todos os poços utilizavam grande parte das suas energias a alargar-se para criarem mais espaço no seu interior. Um poço, pequeno e afastado do centro da cidade, começou a ver os seus colegas que se alargavam desmedidamente. Ele pensou que se continuassem a alargar-se daquela maneira, dentro em pouco confundir-se-iam os parapeitos dos vários poços e cada um perderia a sua identidade…
Talvez a partir dessa ideia, ocorreu-lhe que outra maneira de aumentar a sua capacidade seria crescer, mas não em largura, antes em profundidade. Fazer-se mais fundo em vez de mais largo. Depressa se deu conta de que tudo o que tinha dentro dele lhe impedia a tarefa de aprofundar. Se quisesse ser mais profundo, seria necessário esvaziar-se de todo o conteúdo…
A princípio teve medo do vazio. Mas, quando viu que não havia outra possibilidade, depressa meteu mãos à obra.
Vazio de posses, o poço começou a tornar-se profundo, enquanto os outros se apoderavam das coisas das quais ele se tinha despojado…
Um dia, algo surpreendeu o poço que crescia para dentro. Dentro, muito no interior e muito no fundo… encontrou água!
Nunca antes nenhum outro poço tinha encontrado água.
O poço venceu a sua surpresa e começou a brincar com a água do fundo, humedecendo as suas paredes, salpicando o seu parapeito e, por último, atirando a água para fora.
A cidade nunca tinha sido regada a não ser pela chuva, que na verdade era bastante escassa. Por isso, a terra que estava à volta do poço, revitalizada pela água, começou a despertar.
As sementes das suas entranhas brotaram em forma de erva, de trevos, de flores e de hastezinhas delicadas que depois se transformaram em árvores…
A vida explodiu em cores à volta do poço afastado, ao qual começaram a chamar «o Vergel».
Todos lhe perguntavam como tinha conseguido aquele milagre.
— Não é nenhum milagre — respondeu o Vergel. — Deve procurar-se no interior, até ao fundo.
Muitos quiseram seguir o exemplo do Vergel, mas aborreceram-se da ideia quando se deram conta de que para serem mais profundos, se tinham de esvaziar. Continuaram a encher-se cada vez mais de coisas…
No outro extremo da cidade, outro poço decidiu correr também o risco de se esvaziar…
E também começou a escavar…
E também chegou à água…
E também salpicou até ao exterior criando um segundo oásis verde no povoado…
— Que vais fazer quando a água acabar? — perguntavam-lhe.
— Não sei o que se passará — respondia ele. — Mas, por agora, quanto mais água tiro, mais água há.
Passaram-se uns meses antes da grande descoberta.
Um dia, quase por acaso, os dois poços deram-se conta de que a água que tinham encontrado no fundo de si próprios era a mesma…
Que o mesmo rio subterrâneo que passava por um inundava a profundidade do outro.
Deram-se conta de que se abria para eles uma vida nova.
Não somente podiam comunicar um com o outro de parapeito em parapeito, superficialmente, como todos os outros, mas a busca também os tinha feito descobrir um novo e secreto ponto de contacto.
Tinham descoberto a comunicação profunda que somente conseguem aqueles que têm a coragem de se esvaziar de conteúdos e procurar no fundo do seu ser o que têm para dar…”
De facto, ao longo dos tempos andamos à procura do nosso fundo, da nossa razão de viver, à procura de nós, à procura da Vida!
Este é talvez dos maiores muros que construimos, e agudizado nas ultimas decadas. Eu confesso-me. Tenho tido momentos na minha Vida, em que construi os muros que me separaram da Mesma. Os medos, as revoltas, os desejos infundados, os sonhos perdidos… sei lá, tanta coisa me levou a separar da minha existência. E o que fiz nesses momentos? Tornei-me prisioneiro do exterior. Prisioneiro do consumo para uma satisfação inexistente. Prisioneiro de uma fonesta sensação de procurar as respostas nos outros, nas ideias alheias, nos seus julgamentos. Perdi-me da minha consciencia e entreguei-me à consciencia vazia, ao irreal prazer do materialismo. Passei a fazer parte de uma estatistica, mais um numero.
É este o muro dos muros. 25 anos após ter acompanhado a queda de um muro que separou familias, consciencias, sentimentos, separou futuros, sinto que temos um dos piores muros alguma vez criados, o da nossa própria existencia. Vivemos cada vez mais pela aparencia, reduzidos à dor da existencia, à procura no exterior de respostas, soluções que nos conduzam à saida. E o rio, no entanto, corre dentro de nós. E é esse mesmo rio que nos une, como pessoas, como cidadãos, como culturas, como vidas.
Mas teimamos em tentar ser mais um do enorme rebanho formatado de gente sem pensamentos, sem consciencias individuais, separados, egoistas, fechados entre os seus próprios muros. Uma pessoa more de fome lá longe, e nós sentimos piedade. Alguém dorme na rua e nós observamos o coitadinho. Alguém cai em dor na rua, e nós fechamos os olhos e desviamo-nos dele. Alguém sofre com uma doença grave e nós parecemos automatos a parafrasear clichés de pena e desejos de a doença estar longe de nós. No entanto, queremos saber tudo da vida dessa pessoa, para sermos uma espécie masoquista de pensamento generalizado: “Coitado(a)…” Somos inresponsáveis ao julgar os que ajudam, não acreditando na boa vontade, independente do que se possa ganhar ou não, alguém o faz. Somos estupidos a misturar a politica com o humanismo.
Nós somos tão crueis com a Vida, que chegamos a comprar animais para os mostrarmos aos outros e depois são abandonados, na rua, sem destino, perdidos.
Somos tão crueis que usamos os animais para nos distrairmo-nos do tempo.
Somos tão dependentes da sociedade, que neste momento procuramos dizer o que fica bem, o politicamente correcto, do que darmos uma opinião verdadeira e sentida.
Somos tão prisioneiros que vivemos para sobreviver em tudo, nas relações, no trabalho, no dia a dia, na sociedade, submissos à ideia de perda, de ficarmos reféns da falta. É repseitável todo e qualquer sofrimento de quem perde de verdade, mas falo da submissão de pensarmos que temos de deter para sempre, custe o que custar…
Andamos tão perdidos, que procuramos mais tempo para vivermos, independente das condições que se viva, temos de ser quase eternos. No entanto, nem damos conta que criamos um mundo que cada vez mais vai encurtando o caminho até ao fim. Estamos enterrados em problemas ambientais, em problemas socio-economicos, em problemas culturais, divididos pelo dinheiro, divididos pela ganância do poder, divididos pelo presunção do querer, da propriedade. Criamos e erguemos muros em todo o lado. Ainda hoje, enquanto caminhava, reparava nos muros que as pessoas teimam em construir para delimitar o que lhes pertence, como se alguém roubasse a terra, como se alguém conseguisse levar um terreno de um lado para o outro. Temos medo da violência, mas não conseguimos perdoar o próximo. Temos de ser assaltados, mas compramos cada vez mais coisas para mostrarmos aos outros que detemos também esse mesmo valor material. Temos medo dos julgamentos, mas continuamos a não ter auto-estima. Temos medo da solidão, mas continuamos a tartar mal os outros, a ser egoistas, a fechar os olhos à violência domestica, a abandonar os filhos, e ausentarmo-nos da educação dos filhos, e a não sabermos amar sem esperar o que o outro possa sentir. Temos medo de morrer, mas continuamos a alimentar os vicios, a poluição, a destruição do Planeta, a sermos indiferentes aos reais problemas do mundo, como se ele não fosse também nosso problema, a estarmos distantes uns dos outros, a culparmos os outros do nosso sofrimento.
Tudo falta de consciencia individual. Mais vale alguém pensar por nós, do que pensarmos de verdade.
Sabem, durante várias vezes eu li livros de auto-ajuda. Procurava respostas, sei lá, saidas… e todos dizem a mesma coisa… está tudo dentro de nós. Só temos de escavar no nosso poço, e descobrir… por isso, todos sabemos, de facto, onde está a resposta.
O rio está lá, e os muros só cairão se quisermos. A Vida? Essa vai sempre continuar, como sempre o fez.
Muitos poços já foram escavados e muitos já se juntaram pelo mesmo rio. Grato a todos os que me tem ensinado nesse sentido. Grato pelas lições de que mais vale padecer tentando, do que existir sem viver, apenas sobrevivendo sem consciencia…aparentemente vivendo.
Escavem. Sonhem. Descubram. Mesmo que doa, façam-no.