“A média social dá o
direito de falar a legiões de idiotas que antes conversavam apenas no bar
depois de um copo de vinho, sem prejudicar a comunidade. Eles eram
rapidamente silenciados, e agora eles têm o mesmo direito de falar de um Prêmio
Nobel. É a invasão dos imbecis.”
Umberto Eco.
Foram muitas as tentativas de escrever
este texto. E muito os sentimentos envolvidos. Cheguei mesmo a pensar se
valeria a pena fazê-lo.
A revolta com a hipocrisia que se vive
por estes dias na Europa, nos média, nas redes sociais, nas conversas de
ocasião, é deveras atroz. Falo do problema dos refugiados, falo das imagens, em
especial do pequeno Aylan, falo acima de tudo de um continente que, de repente,
acorda para um problema que o mundo já vive há décadas. Mas como era longe daqui,
tinha-se pena, escrevia-se umas noticias de segunda linha, mas não era nada connosco.
Agora não. É na casa dos Europeus, no continente das luzes, na terra do
Iluminismo. Agora chegou a dor à consciência das pessoas. Agora, através do uso
abusivo da individualidade de um ser humano, vamos mudar as consciências, vamos
mudar o mundo, vamos mudar o futuro. Que ódio, é esse mesmo o meu sentimento, a
esta hipócrita e reles maneira de pensar.
Afinal Pilatos deixou mesmo muitos
descendentes. As mãos do homem tem demasiado sangue, e ele lava-as para poder
deitar a cabeça na almofada, descansando a consciência, repousando os pecados
que lhe atormentam a alma. É repugnante a forma como jornais, pessoas
individuais, publicaram a foto do pequeno, e escrevendo que não o desejavam
fazer, mas mesmo assim publicam, e depois as explicações…nem comento…
Há quantas décadas existe o campo de
refugiados no Darfur? Há quantas décadas existe a fome em África, a
desertificação, as migrações por causa dos conflitos?...Sim, todos conhecem
estes casos, mas enquanto estiveram longe da Europa, o problema nunca foi nosso…
logo, sempre foi melhor discutir as idiotices caseiras…
O problema da Síria, como praticamente em
todos que envolve refugiados, é um conflito. E enquanto esse conflito
persistir, as pessoa vão continuar a fugir. Logo enquanto a árvore estiver
doente na raiz, a copa vai continuar a estar sem folhas. Mas em vez de procurar
tratar das folhas que caem, porque não tratar da raiz, para que as folhas não
caiam? Em vez de postar fotos de crianças que morrem, porque não participar
mais activamente em movimentos de ajuda à mudança desses países, procurando
fornecer meios de mudança de mentalidades, de consciências? Porque não educar
os filhos para construírem uma consciência individual e fugirem aos rebanhos do
vazio, aos colectivos da ignorância e da comodidade, de forma a começarem eles
também a mudar o mundo?
Fotos? Eu posso partilhar convosco
imensas de crianças mortas, e umas mais chocante do que as outras. Mas não o
faço. Por respeito à individualidade de cada um, da sua existência, e porque
prefiro evitar a morte do próximo, do que estar sempre a chorar o passado e ver
morrer o futuro. Por isso publico a foto da escuridão, em sinal do movimento
que invade a consciência do mundo, em especial da Europa.
Para quando a diminuição desta ideia
imbecil de achar que é melhor termos piedade dos pobres, alimentando-os como
tal, em vez de construirmos estruturas para que os pobres possam também eles
perceber que afinal podem amanhã ser menos pobres, menos dependentes e mais
pessoas, mais indivíduos, mais humanos?
E depois discute-se o numero de
refugiados que cada país deve ou não receber, como se as pessoas fossem meros números
entre milhões...
Existe tanto sangue nas mãos do homem...e
lavam-se gratuitamente, e irresponsavelmente...e sempre com a desculpa de que “não
tenho o poder de mudar nada, os políticos sim... e eles é que deviam mudar isto
tudo...”
Termino só com a referencia a
Portugal...daqui a uns dias, os refugiados vão ser substituídos neste campo do
mediatismo, pelas eleições... aliás já hoje começam a ser por uma política que
pousa a nu...e assim a hipocrisia vai continuando, cantando e andando.
De facto, não sei o que é pior…se a “invasão”
dos refugiados ou se a invasão dos imbecis.