quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Direitos (Responsabilidade) Humanos.

Hoje, ao celebrar-se o dia Internacional dos Direitos Humanos, veio-me à memória um trecho lindíssimo do poema de António Gedeão, “Poema de um Homem Só”,
Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nenhum ser nós se transmite.

Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.”

Somos seres solitários, caminhantes cada vez mais distantes dos valores enraizados na História da Humanidade. Falta-nos o principio da defesa da existência global de toda a Vida. E esta não se resume à simples fracção humana. Vai muito além dela. Refiro-me a toda a vida que habita neste planeta e para lá das suas fronteiras. E quando não se respeita essa magnitude existencial, perde-se o respeito próprio.
Mas esse mesmo valor, no campo da humanidade está degradado pela ausência de uma consciência individual. Vivemos sociedades inundadas do pensamento colectivo, de um não pensamento. Uma criança quando vislumbra os primeiros raios de luz, nem imagina ao que vem. Pois vem a uma série de padrões tão estabelecidos, que difícil é conseguir trilhar um caminho próprio sem sair magoada. E isto é o afundar do barco. Ele embateu num enorme iceberg de nome “pensamento colectivo”, rompendo todo o casco, e agora é inundado pelo oceano do politicamente correcto, esvaziando qualquer possibilidade de pensamento próprio e respectiva consciência.
Hoje o que se lê vira uma ordem mundial, em vez de ser o principio de uma discussão filosófica. O que se vê vira visão mundial, em vez de ser o principio da reflexão humana. O que se partilha vira uma identidade mundial, em vez de ser o principio da pergunta social. Perdeu-se o glamour de viver. Perdeu-se a noção consciente de se saber viver.
A globalização deveria ser um motor de introspecção, para se conseguir encontrar novas vias de confluência existencial, quer animal, quer vegetal. E não uma forte vontade de predominância e ditadura humana.
Exemplo disto mesmo é a visão do Direito. “Direitos Adquiridos”. Um dia escrevi que antes do direito existe o dever. O dever que temos para com a Vida, de sabermos fazer tudo para retribuirmos a ela, a magia que ela nos colocou em mãos. E só depois vem o direito. À Liberdade, à felicidade, etc, etc. Mas pior do que perder a noção desta realidade, é achar que Direitos são uma propriedade. Ficamos proprietários dos Direitos adquiridos, dos Direitos dos Outros. Não. O Direito, assim como o Dever ( leia-se também obrigações), são única e exclusivamente, Responsabilidades. Temos a responsabilidade de vivermos condignamente, e proporcionarmos essa mesma possibilidade a todos os que nos rodeiam, sejam outros animais, plantas, meio ambiente. Temos a responsabilidade de saber e perceber a partilha e a vivencia da liberdade que conquistamos. E não pensarmos que ser livres é ser-se proprietário de um pensamento, de uma forma de vida, de uma escolha. Não. É ser responsável pelas escolhas, pelos pensamentos, pelos caminhos. Eu sou responsável pelo que escrevo e não escrevo porque penso ser proprietário de uma liberdade de pensamento.
Somos meras ilusões de propriedade. E logo não somos livres. Este apego à matéria, quer seja ela visível ou mesmo a invisível ( pensamento, ideologia, consciência), está a conduzir-nos a uma esquizofrenia desenfreada. Estamos cada vez mais solitários, enquanto procuramos ser mais sociáveis. Estamos a ser mais preconceituosos, enquanto procuramos ser mais tolerantes. Estamos a ser mais controlados, enquanto procuramos ser mais autónomos. Estamos a ser mais dependentes, enquanto procuramos ser mais emancipados. Estamos a ser mais infelizes, enquanto procuramos ser mais felizes. Estamos a ser mais irracionais, enquanto procuramos ser mais racionais. Estamos a ser mais extremistas, enquanto procuramos ser mais moderados. Estamos a ser mais saudosistas, enquanto procuramos ser mais progressistas. Estamos a ser mais robots, enquanto procurarmos controlar o pensamento do outro. Somos cada vez mais condicionáveis em vez de sermos mais incondicionais. Temos cada vez mais apego, quando devíamos estar cada vez mais desapegados.
Deixamos de ser. Somos, cada vez mais, uma mera construção do pensamento colectivo. Pensar custa. Pensar faz mal. Pensar desgasta. Pensar dá muito trabalho. Pensar mata.  Pois, enquanto todos caminharem para a mesma margem da ponte, ela vai-se degradando e será qua aguentará com o desequilíbrio?
Não é pessimismo o que aqui escrevo. É a realidade. E só a nega quem anda mesmo cego com essa maldição do mundo actual, o pensamento colectivo. Alguém é proprietário do teu pensamento, das tuas opiniões, dos teus actos, das tuas decisões. Alguém é teu proprietário.
Eu não propriedade de ninguém. Eu sou filho mas não propriedade dos meus pais. Eu sou pai mas não proprietário dos meus filhos. Eu tenho deveres para com eles, mas também tenho direitos perante eles. Ou seja, eu tenho responsabilidades para com eles e eles tem responsabilidades para comigo. E é o respeito por este principio que vem o respeito individual por cada um e por mim próprio.
Na carta dos Direitos Humanos, tem um artigo que diz “Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal." Eu tomo a liberdade de reescrever, sem plágios ou outros ultrajes, a minha leitura do mesmo artigo,
“Todo o individuo tem a responsabilidade para com a vida, para com a liberdade e para com a segurança pessoal.” Só falta mesmo existirem os meios, as ferramentas e acima de tudo a vontade humana e individual de que isso aconteça.
E termino com uma máxima que me orienta há muito,
Se deres um peixe a um homem faminto, vais alimentá-lo por um dia. Se o ensinares a pescar, vais alimentá-lo toda a vida.”

Lao-Tsé

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