Hoje, ao celebrar-se o dia Internacional dos Direitos
Humanos, veio-me à memória um trecho lindíssimo do poema de António Gedeão,
“Poema de um Homem Só”,
“Nesta envolvente
solidão compacta,
quer se grite ou
não se grite,
nenhum dar-se de
outro se refracta,
nenhum ser nós se
transmite.
Quem sente o meu
sentimento
sou eu só, e mais
ninguém.
Quem sofre o meu
sofrimento
sou eu só, e mais
ninguém.
Quem estremece
este meu estremecimento
sou eu só, e mais
ninguém.”
Somos seres
solitários, caminhantes cada vez mais distantes dos valores enraizados na História
da Humanidade. Falta-nos o principio da defesa da existência global de toda a Vida.
E esta não se resume à simples fracção humana. Vai muito além dela. Refiro-me a
toda a vida que habita neste planeta e para lá das suas fronteiras. E quando
não se respeita essa magnitude existencial, perde-se o respeito próprio.
Mas esse mesmo
valor, no campo da humanidade está degradado pela ausência de uma consciência
individual. Vivemos sociedades inundadas do pensamento colectivo, de um não
pensamento. Uma criança quando vislumbra os primeiros raios de luz, nem imagina
ao que vem. Pois vem a uma série de padrões tão estabelecidos, que difícil é
conseguir trilhar um caminho próprio sem sair magoada. E isto é o afundar do barco.
Ele embateu num enorme iceberg de nome “pensamento colectivo”, rompendo todo o
casco, e agora é inundado pelo oceano do politicamente correcto, esvaziando
qualquer possibilidade de pensamento próprio e respectiva consciência.
Hoje o que se lê
vira uma ordem mundial, em vez de ser o principio de uma discussão filosófica.
O que se vê vira visão mundial, em vez de ser o principio da reflexão humana. O
que se partilha vira uma identidade mundial, em vez de ser o principio da
pergunta social. Perdeu-se o glamour de viver. Perdeu-se a noção consciente de
se saber viver.
A globalização
deveria ser um motor de introspecção, para se conseguir encontrar novas vias de
confluência existencial, quer animal, quer vegetal. E não uma forte vontade de
predominância e ditadura humana.
Exemplo disto mesmo
é a visão do Direito. “Direitos Adquiridos”. Um dia escrevi que antes do
direito existe o dever. O dever que temos para com a Vida, de sabermos fazer
tudo para retribuirmos a ela, a magia que ela nos colocou em mãos. E só depois
vem o direito. À Liberdade, à felicidade, etc, etc. Mas pior do que perder a
noção desta realidade, é achar que Direitos são uma propriedade. Ficamos proprietários
dos Direitos adquiridos, dos Direitos dos Outros. Não. O Direito, assim como o
Dever ( leia-se também obrigações), são única e exclusivamente,
Responsabilidades. Temos a responsabilidade de vivermos condignamente, e
proporcionarmos essa mesma possibilidade a todos os que nos rodeiam, sejam
outros animais, plantas, meio ambiente. Temos a responsabilidade de saber e
perceber a partilha e a vivencia da liberdade que conquistamos. E não pensarmos
que ser livres é ser-se proprietário de um pensamento, de uma forma de vida, de
uma escolha. Não. É ser responsável pelas escolhas, pelos pensamentos, pelos
caminhos. Eu sou responsável pelo que escrevo e não escrevo porque penso ser
proprietário de uma liberdade de pensamento.
Somos meras ilusões
de propriedade. E logo não somos livres. Este apego à matéria, quer seja ela
visível ou mesmo a invisível ( pensamento, ideologia, consciência), está a
conduzir-nos a uma esquizofrenia desenfreada. Estamos cada vez mais solitários,
enquanto procuramos ser mais sociáveis. Estamos a ser mais preconceituosos,
enquanto procuramos ser mais tolerantes. Estamos a ser mais controlados,
enquanto procuramos ser mais autónomos. Estamos a ser mais dependentes,
enquanto procuramos ser mais emancipados. Estamos a ser mais infelizes,
enquanto procuramos ser mais felizes. Estamos a ser mais irracionais, enquanto
procuramos ser mais racionais. Estamos a ser mais extremistas, enquanto
procuramos ser mais moderados. Estamos a ser mais saudosistas, enquanto
procuramos ser mais progressistas. Estamos a ser mais robots, enquanto procurarmos
controlar o pensamento do outro. Somos cada vez mais condicionáveis em vez de
sermos mais incondicionais. Temos cada vez mais apego, quando devíamos estar
cada vez mais desapegados.
Deixamos de ser.
Somos, cada vez mais, uma mera construção do pensamento colectivo. Pensar
custa. Pensar faz mal. Pensar desgasta. Pensar dá muito trabalho. Pensar mata. Pois, enquanto todos caminharem para a mesma
margem da ponte, ela vai-se degradando e será qua aguentará com o desequilíbrio?
Não é pessimismo o
que aqui escrevo. É a realidade. E só a nega quem anda mesmo cego com essa
maldição do mundo actual, o pensamento colectivo. Alguém é proprietário do teu
pensamento, das tuas opiniões, dos teus actos, das tuas decisões. Alguém é teu
proprietário.
Eu não propriedade
de ninguém. Eu sou filho mas não propriedade dos meus pais. Eu sou pai mas não
proprietário dos meus filhos. Eu tenho deveres para com eles, mas também tenho
direitos perante eles. Ou seja, eu tenho responsabilidades para com eles e eles
tem responsabilidades para comigo. E é o respeito por este principio que vem o
respeito individual por cada um e por mim próprio.
Na carta dos
Direitos Humanos, tem um artigo que diz “Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à
segurança pessoal." Eu tomo a liberdade de reescrever, sem plágios ou
outros ultrajes, a minha leitura do mesmo artigo,
“Todo
o individuo tem a responsabilidade para com a vida, para com a liberdade e para
com a segurança pessoal.” Só falta mesmo existirem os meios, as ferramentas e
acima de tudo a vontade humana e individual de que isso aconteça.
E termino com uma
máxima que me orienta há muito,
“Se deres um peixe a um
homem faminto, vais alimentá-lo por um dia. Se o ensinares a pescar, vais
alimentá-lo toda a vida.”
Lao-Tsé
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